transtorno de aprendizagem

Evento em Joinville reuniu especialistas para desmistificar o assunto e apontar caminhos para pais e educadores

A cena é comum em salas de aula: uma criança se esforça para ler em voz alta e fazer cálculos básicos, e acaba errando palavras ou perdendo a concentração rapidamente. Muitas vezes, isso é visto como desinteresse, quando na verdade pode indicar um transtorno de aprendizagem.

De acordo com a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) atinge entre 5% e 8% da população mundial. Já a dislexia afeta aproximadamente 15% das pessoas, segundo o The reading well. Dados da Cleveland Clinic, indicam que a discalculia está presente em 3% a 7% da população, enquanto a disgrafia pode variar entre 5% e 20%.

No Brasil, embora existam pesquisas com números variados, não há um levantamento oficial consolidado. Pesquisas recentes apontam que o número de estudantes com deficiências e transtornos de aprendizagem pode ser até 3,5 vezes maior do que o registrado pelo Censo Escolar, revelando um cenário subnotificado e que demanda maior atenção.

Para ampliar a discussão sobre o tema, o Instituto You.Up realizou no último fim de semana, em Joinville (SC), o 3º Simpósio sobre Transtornos de Aprendizagem, com tema “Aprender é para todos”, reunindo pais, professores e profissionais da saúde e de educação. O encontro trouxe informações práticas e reforçou a importância de olhar para o tema sem estigmas.

A base invisível das dificuldades

A abertura, com os professores Fabrício Bruno Cardoso e Filipe Meneguelli Bonone, destacou que dificuldades de aprendizagem muitas vezes estão ligadas a fatores do cotidiano. Dados do Ministério da Saúde mostram que 70% das crianças brasileiras são sedentárias e 38% estão acima do peso. “Muitas escolas encaminham estudantes para atendimento sem avaliar aspectos básicos como sono, alimentação e atividade física”, alertou Cardoso.

“A gente tentou despertar aqui a ideia de que a mudança é possível e que basta muito mais de uma integração entre todos esses atores do que de ações que são isoladas”, afirmou Fabrício. Para os palestrantes, compreender que competências sociais, práticas pedagógicas e qualidade de vida podem ser tão determinantes quanto questões orgânicas é um passo essencial para apoiar estudantes com dificuldades.

Adaptação é oportunidade, não rótulo

O educador e influenciador Felipe Ponce (Pippo), diagnosticado com dislexia e que aprendeu a ler apenas aos 11 anos, trouxe a visão de quem já esteve no lugar do estudante. “As adaptações não são rótulos, são oportunidades. Estímulos certos transformam a educação”, afirmou.

Ele apresentou um tripé de apoio aos disléxicos: rotinas de estudo, treinos em casa e adaptações escolares, como tempo extra em provas e não penalização por erros ortográficos. “Eu saí de pior aluno da escola e hoje eu tenho mestrado em educação. Não falo isso para me achar, mas para mostrar que aquele aluno que foi desacreditado na escola, ele sim pode alcançar coisas grandes”, disse Pippo.

Tecnologia a favor do aprendizado

Em um mundo cada vez mais digital, o Dr. Renato Arruda trouxe uma perspectiva otimista sobre a tecnologia. Na palestra, ele defendeu que, longe de ser uma distração, as ferramentas digitais podem ser grandes aliadas no processo de personalização do ensino. “Eu acredito fortemente que as tecnologias emergentes estão aí para nos ajudar a diferenciar o ensino, personalizar a educação de modo a entender cada cérebro, cada estudante com uma maneira diferente de aprendizado”, disse o especialista.

Segundo o Dr. Arruda, a tecnologia pode ajudar a identificar padrões, oferecer recursos adaptados e criar um caminho mais eficaz para o aprendizado, seja em sala de aula, em casa ou em terapias. Ele reforçou a necessidade de ensinar as crianças a discernir fatos de fake news, usando a tecnologia para ampliar seu potencial, e não para substituí-lo.

O papel do coletivo na jornada de aprendizagem

De Lisboa, o pedagogo Rafael Pereira compartilhou a experiência de sua equipe multidisciplinar em Portugal, que atua de forma semelhante ao modelo do Instituto You.Up. Psicólogos, fonoaudiólogos e professores trabalham juntos no acompanhamento de crianças com dislexia, TDAH e outros transtornos.

“O diagnóstico da dislexia deve ser feito por exclusão, após descartar outras condições. Atendo diariamente estudantes com diferentes transtornos e vejo que quando escola, família e profissionais de saúde atuam de forma integrada, os avanços são concretos”, explicou.

Aprendizado que chega à prática

A pedagoga Leda Zimmerman, de Jaraguá do Sul, que participou pela primeira vez do Simpósio, saiu do evento com a certeza de que o aprendizado seria aplicado na prática. “É muito importante as pesquisas científicas serem trazidas de forma tão didática para a gente”, comentou, destacando a organização e o embasamento dos palestrantes.

O simpósio reforçou que os transtornos de aprendizagem não devem ser vistos como limitações, mas como desafios que exigem adaptação e empatia. Quando família e escola estão preparadas, o sucesso escolar é possível, e eventos como o realizado em Joinville contribuem para transformar informação científica em prática concreta.

Durante o evento, o instituto também promoveu a campanha solidária “Picolé do Bem”, em parceria com a Paviloche. A ação superou a meta prevista e arrecadou R$ 7 mil, valor que será revertido em 600 atendimentos psicopedagógicos. O recurso possibilitará a entrada de 15 novas crianças no projeto e contribuirá para a manutenção dos atendimentos já oferecidos mensalmente a 230 estudantes da rede pública em diversas especialidades.

O Instituto You.Up atua na inclusão e no desenvolvimento de crianças e adolescentes com dificuldades e transtornos de aprendizagem, tendo realizado mais de 21 mil atendimentos até o momento.